quarta-feira, 29 de junho de 2011

Amor e Seu Tempo



Amor é privilégio de maduros
Estendidos na mais estreita cama,
Que se torna a mais larga e mais relvosa,
Roçando, em cada poro, o céu do corpo. É isto, amor: o ganho não previsto,
O prêmio subterrâneo e coruscante,
Leitura de relâmpago cifrado,
Que, decifrado, nada mais existe
Valendo a pena e o preço do terrestre,
Salvo o minuto de ouro no relógio
Minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
Depois de se arquivar toda a ciência
Herdada, ouvida, amor começa tarde.
 

Carlos Drummond de Andrade

Análise




Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me e ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.


Fernando Pessoa

Quem diz que Amor é falso ou enganoso

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vão desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce, e é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.

Se males faz Amor em mim se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de Amor;
Todos os seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.

                   Luís de Camões

Flores em Você



 
De todo o meu passado
Boas e más recordações
Quero viver meu presente
E lembrar tudo depois
Nessa vida passageira
Eu sou eu, você é você
Isso é o que mais me agrada
Isso é o que me faz dizer
Que vejo flores em você

Ira!

Amor, que o gesto humano na alma escreve

 
 
Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faíscas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoudece, se cuida que é verdade.

Olhai como Amor gera, num momento
De lágrimas de honesta piedade,
Lágrimas de imortal contentamento.

                    Luís de Camões

domingo, 26 de junho de 2011





Não fala nada
Deixa tudo assim por mim
Eu não me importo
Se nós não somos bem assim
É tudo real as minhas mentiras
E assim não faz mal
E assim não me faz mal não

Noite e dia se completam
O nosso amor e ódio eterno
Eu te imagino, eu te conserto
Eu faço a cena que eu quiser
Eu tiro a roupa pra você
Minha maior ficção de amor
Eu te recriei, só pro meu prazer
Só pro meu prazer
Não vem agora com essas insinuações
Dos seus defeitos ou de algum medo normal
Será que você, não é nada que eu penso
Também se não for
Não me faz mal
Não me faz mal não...




Que saudade agora me aguardem,
Chegaram as tardes de sol a pino,
Pelas ruas, flores e amigos,
Me encontram vestindo meu melhor sorriso,
Eu passei um tempo andando no escuro,
Procurando não achar as respostas,
Eu era a causa e a saída de tudo,
E eu cavei como um túnel meu caminho de volta.
Me espera amor que estou chegando,
Depois do inverno a vida em cores,
Me espera amor nossa temporada das flores.
Eu te trago um milhão de presentes,
Que eu achava que já tinha perdido,
Mas estavam na mesma gaveta,
Que o calor das pessoas e o amor pela vida...
Me espera estou chegando com fome,
Preparando o campo e a alma pra as flores,
E quando ouvir alguém falar no meu nome,
Eu te juro que pode acreditar nos rumores.








Eu respiro tentando
Encher os pulmões de vida
Mas ainda é dificil
Deixar qualquer luz entrar...

Ainda sinto por dentro
Toda dôr dessa ferida
Mas o pior é pensar
Que isso um dia
Vai cicatrizar...

Eu queria manter
Cada corte em carne viva
A minha dôr
Em eterna exposição
E sair nos jornais
E na televisão
Só prá te enlouquecer
Até você me pedir perdão...

Eu já ouvi 50 receitas
Prá te esquecer
Que só me lembram
Que nada vai resolver
Porque tudo
Tudo me traz você
E eu já não tenho
Prá onde correr...

O que me dá raiva
Não é que você fez de errado
Nem seus muitos defeitos
Nem você ter me deixado
Nem seu jeito fútil
De falar da vida alheia
Nem o que eu não vivi
Aprisionado em sua têia...

O que me dá raiva
São as flôres
E os dias de sol
São os seus beijos
E o que eu tinha
Sonhado prá nós...

São seus olhos e mãos
E seu abraço protetor
É o que vai me faltar
O que fazer do meu amor?...
Eu já ouvi 50 receitas
Prá te esquecer
Que só me lembram
Que nada vai resolver
Porque tudo
Tudo me traz você
E eu já não tenho
Prá onde correr..








Me diz pra onde vai você
E o que você não vê
Quando você corre atrás. de quê?

Onde isso vai parar?
Se é que você pensou
Em chegar a algum lugar

Espera o sol desabar no mar
Mergulhar no silêncio

E agora onde está você
Será que já percebeu
Os sonhos que você perdeu. por quê?

É cedo pra desistir
É cedo pra não lembrar
Que o plano era ser feliz

Então me diz pra onde vai você
Tropeçando em si mesmo

Me diz então
Quando você vai ter
Saudade de você

Me diz pra onde vai você
E o que você não vê
Quando você corre atrás. de quê?

É cedo pra desistir
É cedo pra não lembrar
Que o plano era ser feliz

Então me diz pra onde vai você
Tropeçando em si mesmo

Me diz então
Quando você vai ter
Saudade de você

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O assassino era o escriba





Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.

Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida,

regular como um paradigma da 1ª conjunção.

Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,

ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito

assindético de nos torturar com um aposto.

Casou com uma regência.

Foi infeliz.

Era possessivo como um pronome.

E ela era bitransitiva.

Tentou ir para os EUA.

Não deu.

Acharam um artigo indefinido na sua bagagem.

A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,

conectivos e agentes da passiva o tempo todo.

Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.



Paulo Leminski

domingo, 19 de junho de 2011

 


"Estou cansado, é claro,
   Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
   De que estou cansado, não sei:
   De nada me serviria sabê-lo,
   Pois o cansaço fica na mesma.
   A ferida dói como dói
   E não em função da causa que a produziu.
   Sim, estou cansado,
   E um pouco sorridente
   De o cansaço ser só isto —
   Uma vontade de sono no corpo,
   Um desejo de não pensar na alma,
   E por cima de tudo uma transparência lúcida
   Do entendimento retrospectivo…
   E a luxúria única de não ter já esperanças?
   Sou inteligente; eis tudo.
   Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
   E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
   Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa."

[Álvaro de Campos - Estou cansado]


 
 
 
"Se não existisse o sol, como seria pra Terra se aquecer?
E se não existisse o mar, como seria pra natureza sobreviver?
E se não existisse o luar, o homem viveria na escuridão.
E se não existisse o luar, o homem viveria na escuridão...
E como existe tudo isso, ô meu povo
Eu vou guarnecer o meu batalhão de novo..."
[Boi da Maioba - Se não existisse o sol...]

domingo, 12 de junho de 2011

1 Coríntios 13






Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.