sábado, 14 de janeiro de 2012

SONETO DE LUZ E TREVA



Ela tem uma graça de pantera
no andar bem comportado de menina
no molejo em que vem sempre se espera
que de repente ela lhe salte em cima

Mas súbito renega a bela e a fera
prende o cabelo, vai para a cozinha
e de um ovo estrelado na panela
ela com clara e gema faz o dia

Ela é de Capricórnio, eu sou de Libra
eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã
a mim me enerva o ardor com que ela vibra

E que a motiva desde de manhã.
-- Como é que pode, digo-me com espanto
a luz e a treva se quererem tanto...


(Vinícius de Moraes)



ps:Eu sempre pensei que casais fossem bons exemplos de pessoas que combinassem quase que perfeitamente em tudo. Aliás, ao meu ver, um possível "pré-requisito" para haver um casal seria exatamente esse: muitas coisas em comum, verdadeiras almas gêmeas que se encontraram quase sem querer. Mas o que dizer quando nos deparamos com pessoas tão diferentes, mas tão diferentes que se amam enlouquecidamente?



Dois amantes felizes não têm fim nem morte (...)
São eternos como é a natureza.



(Pablo Neruda)

Canção Excêntrica

 
 
 
Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,
é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.

(Cecília Meireles)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Fionas do Rei




“Sempre ouvi que eu sou uma princesa.
E sempre acreditei que um dia, o tal príncipe encantado apareceria.
E sim,um dia ele apareceu.
Então ele olhou para a princesa que estava ao meu lado. Porque ela sim era uma princesa. Se vestia e se comportava como tal.
Eu, obviamente, estava longe de ser uma.
Tenho conciência de quem sou. Eu não tenho cabelão, olho claro. Eu não tenho corpo de modelo ou aquele corpão idealizado por muitos homens. Eu não vivo maquiada. De vez em quando, sim. Mas o tempo todo não. Eu não vivo na academia. Eu não gosto de batom. E não gosto de  salto alto.
E fora tudo isso, eu ainda sou desastrada. Não sei ser delicada, meiga. Não sei ser patricinha.
Se tudo isso é ser princesa, eu definitivamente estou longe de ser uma!
Sempre me achei uma verdadeira Fiona.
E a mídia sempre me disse que sou uma ogra. Pois não me pareço em nada com modelos de revistas ou com as atrizes lindas. Não me pareço em nada com o que o mundo considera “bonito”.  Não sigo as dietas malucas encontradas em revistas.
Não tenho cintura tamanho 32.Mas tenho um coração tamanho gigante. Não sei amar alguém pelo corpo que a pessoa tem, pela sua beleza exterior ou pelo seu status. Só sei amar alguém, pelo seu coração.
E me achando, “um patinho feio”, em  meio à lágrimas, meu Criador me falou:
“Você tem razão! Você não é uma princesa. Pelo menos não do jeito que o mundo quer que você seja! Mas você é a MINHA princesa. Não qualquer uma, mas você é princesa porque é filha do Rei do universo. Não importa o que os outros digam ou o que você mesma diga. A sua beleza não é aquela que as pessoas enxergam, mas a sua beleza está em seu coração. Você não é feia, muito pelo contrário, você é linda! Você foi criada por Mim! Sabe aquela passagem da mulher virtuosa, minha filha? Eu escrevi para você! Eu escrevi pensando em você. Você é assim, porque EU criei você!
E o príncipe encantado? Ah, ele não existe!
O verdadeiro Príncipe foi o mais amoroso de todos: deu a Sua vida por mim.”


A formosura é uma ilusão, e a beleza acaba,
mas a mulher que teme ao Deus Eterno será elogiada.

Provérbios 31:30

Fonte: http://euescolhiesperar.com/artigos/fionas-do-rei-%5Bpara-as-meninas%5D-

domingo, 8 de janeiro de 2012

Futuro improvável



Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como a um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro mas uma força ainda não classificada que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei explicar que, sem alma, sem espírito, é um corpo morto - serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro, é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto.
LISPECTOR. Clarice, 1920 – 1977
A descoberta do Mundo: Futuro improvável

As pequenas memórias

 
 
 
 
Olho de cima da ribanceira a corrente que mal se move, a água quase estagnada, e absurdamente imagino que tudo voltaria a ser o que foi se nela pudesse voltar a mergulhar a minha nudez da infância, se pudesse retomar nas mãos que tenho hoje a longa e húmida vara ou os sonoros remos de antanho, impelir, sobre a lisa pele da água, o barco rústico que conduziu até às fronteiras do sonho um certo ser que flui e deixei encalhado algures no tempo.


SARAMAGO. José, 1922 - 2010
As pequenas memórias

A HORA DOS LOBOS



Pai de espectros, de sombras,
Por que há anoitecer
Depois de cada aurora?
Sou uma voz que pergunta

O que não tem resposta:
Por que ainda sobra
A luz em nossos olhos
Quando a escuridão volta?

Nauro Machado