domingo, 28 de novembro de 2010

Arlete Nogueira da Cruz: 70 anos de vida/45 de literatura

Há quarenta e cinco anos, Arlete Nogueira da Cruz lançava o romance A Parede. Essa obra haveria de se constituir um marco literário na carreira da escritora, causando um impacto tão forte em sua criatividade, que continuou percutindo em todas as obras que publicou posteriormente.

Um dos aspectos mais importantes do estiloda autora é a simplicidade que perpassa toda a narrativa ao longo dos 10 capítulos. 

Por baixo desse texto, a autora constrói uma obra de profunda introspecção psicológica, que terá o ponto de referência mais alto no poema-romance Litania da Velha, publicado em 1996.

As duas obras em questão A Parede e Litania da Velha são indissociáveis, porque representam ambas um périplo pela cidade histórica de São Luís. São obras minimalistas que seguem as experiências de releituras e desconstruções de escritores como Xavier de Maistre (A vida em torno do meu quarto), Kafka (Metamorfose) e Samuel Beckett (Molloy) sobre a viagem humana num plano do ser acuado e emparedado.

No romance A Parede, o protagonista da primeira pessoa sugere a marca autobiográfica que, possivelmente, retrata as vivências e experiências da autora, da adolescência aos vinte anos.

Em Litania da Velha, o protagonista, a Velha, é uma representação da própria cidade de São Luís personificada. Cidade e pessoa se identificam marcadas pela metamorfose do desgaste do tempo representado metaforicamente pelo salitre.

No caso das obras, já citadas, que precedem A Parede, os protagonistas estão circunscritos a um quarto, ou seja, entre paredes. Não só às paredes concretas do quarto, mas às paredes da alma, barreiras psicológicas que os impedem de deixarem de se anular até ao aniquilamento.

Xavier de Maistre, Kafka, Samuel Beckett e Arlete Nogueira empreendem uma viagem pelos meandros e subterrâneos mais secretos da alma humana, saindo muito pouco dos locais a que se circunscrevem biologicamente. Sim, trata-se de uma odisséia às avessas, isto é, de um ponto de vista minimalista. Nesses casos, os protagonistas são anti-heróis.

Os quatro narradores desconstróem o mito de Ulisses como herói e instauram uma outra viagem, a que se passa, introspectivamente, nos meandros do labirinto do próprio ser. De dentro do quarto, de bicicleta, de ônibus, sob a forma de uma barata ou como uma sombra, a viagem é sempre de quem está encarcerado.

Depois desses percursos, não há como a narrativa voltar à linealidade. 

Já a escritora Clarice Lispector com a obra Perto do Coração Selvagem aderia a essa nova técnica de escrever romance, que tem por base uma preocupação de tornar visível o invisível universo dos sentimentos interiores do ser.

Há tratados e estudos gigantescos sobre a questão. A abordagem passa consecutivamente por obras conseqüentes, como Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust; A Canção dos Loureiros, de Édouard Dujardin; O retrato do artista quando jovem, de James Joyce.

Nesta edição Guesa, há um estudo do professor Sébastien Joachin, que bem ilustra o que anteriormente dissemos. 

Para melhor compreensão, no texto em que ele comenta a obra Litania da Velha, preferimos pôr em primeiro lugar os trechos em que ele analisa e sublinha com mais clareza, também, o romance A Parede.

Tivemos o propósito deliberado de, assim, do ensaio introdutório à trilogia constituída por A Parede, Cartas da Paixão e Compasso Binário, sob o título geral Trabalho Manual (Prosa Reunida), do Ensaio A Verdade do Ser em Arlete Nogueira da Cruz, colocar em primeiro lugar a segunda parte para melhor entendimento do que seja epifania que, na primeira parte, é assunto exaustivamente abordado.

A esclarecedora visão sobre epifania dá ao leitor uma ponte para a melhor compreensão do que seja o romance moderno.


Data de Publicação: 16 de maio de 2006


Fonte:http://www.guesaerrante.com.br/2006/5/16/Pagina722.htm

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